Nunca gostei das tardes vazias de domingo que se tornam noites frias de solidão, prefiro aquelas as quais passo entregue ao total silêncio ou às conversas infindas, deitada num sofá, bebendo vinho e contando causos.
Para as domingueiras inebriantes, tenho Mário como a melhor das companhias e gosto em especial daquele sofá marrom, ao lado da janela, na sala em sua casa, que para mim, mais parece um divã.
Às vezes chego triste, sem graça e sem palavras... aí ele me empresta as dele e diz coisas do tipo:
Das idéias
“Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez do que vestir a verdade
que dentro em ti se achava inteiramente nua...”
Outras muitas vezes falamos “sobre gatos e sapatos”, porque o Mário é uma dessas pessoas que consegue discorrer sobre a existência de um gato ou escuridão da rua com a mesma beleza que descreve um amor.
Se o Poeta Falar Num Gato
Talvez por isso mesmo, tenha sido ele a primeira pessoa a quem contei que a minha escura ruazinha agora tem asfalto. Mas para ele...
“É a mesma a ruazinha sossegada.Com as velhas rondas e as canções de outrora...E os meus lindos pregões da madrugadaPassam cantando ruazinha em fora” (...)
A Rua dos Cataventos - IX - Para Emílio Kemp)
Esporadicamente, falamos de alguns passarinhos “dialojantes” ou de algum filme ou seriado da moda... mas para Mário, são os poemas, não os filmes, que são como passarinhos...
Os poemas
“Os poemas são pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousamno livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam vôocomo de um alçapão.Eles não têm pousonem portoalimentam-se um instante em cada par de mãose partem.E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhoso espanto de saberesque o alimento deles já estava em ti...”
Nestas tarde a Lili raramente aparece, e quando o faz, deita no meu colo e fica ali quietinha por alguns instantes... daí logo o clima muda e quando percebemos já estamos a falar de bonecas de pano e soldadinhos de chumbo.
No último domingo, enquanto esperava o meu amigo para mais uma sessão, Lili deitou-se ao meu colo e se propôs a ler um dos texto de Mário... Ele era mais ou menos assim:
"Voa um par de andorinhas, fazendo verão E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas... Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro... Vontade... Pra quê es ... se pudor de certas palavras? Vontade de amar, simplesmente!"
Eu desalinhava carinhosamente os seus caracóis e viajava em tão bela leitura que, de súbito, me escapou uma lagrima, que foi parar bem no meio da página lida pela menina.
Lili parou imediatamente a leitura, me olhou e perguntou:
-Tia, por que a lágrima é salgada?
Eu estava tão dispersa que respondi com as primeiras palavras que vieram a minha mente:
- Porque são feitas de mar e de amor, querida.
- E se a gente chorar muito elas se acabam, tia?
Sorri e respondi:
- Pra dizer a verdade, acabam sim, querida, mas aí é só dar um mergulhinho lá no mar de Luis Correia que a gente “enche o tanque” de novo.
Mario, que ouvia a conversa lá de cima da escada, rio-se da situação e completou.
-Pelo jeito, já temos compromisso certo para o próximo final de semana!
”Quem não compreende um olhar
POis se depender de banho no mar de Lis Correia meu tanque vai continuar sequinho.
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