quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Às meninas com alma de borboleta



E foi assim, pulando a janela da sala, no finalzinho da tarde, que ela deixou para trás os sonhos que não teve, o homem que não amava e a vida que não queria. Saiu sem levar uma muda de roupa ou um pedaço de pão. Nada que pudesse denunciar a sua falta ou lembra-la de tudo que acabava de deixar.

Na moça, nem um traço de beleza sequer: cabelos russos, unhas quebradas, boca rachada e olhos tão frios que contrastavam com o calor da região e era magra, horripilantemente magra. Aos treze, tinha a pele torrada de sol e mãos sofridas da lida, certeza única de cada dia. Aos quinze sonhou ser borboleta e querer pra vida um pouco além dos fétidos baldes de roupa e das botas sujas de merda.

Naquele mesmo dia saiu sem olhar para trás e assim seguiu por toda a sua jornada. Sem dinheiro, sem roupa, sem sapato, vestida apenas em xitas, suas asas coloridas. Saiu sem saber para onde iria.

Enquanto andava, lembrava o cheiro das ruas de sua pequena cidade. Depois de casada já não pisava por lá nem mesmo em dia de missa. Pelo caminho catava pedrinhas brilhantes e relembrava seus sonhos de criança: os vestidos floridos, as festas, o mar... tudo lhe fora arrancado por um casamento arranjado e por um homem infeliz que nem um filho era capaz de lhe dar.

Não sentia tristeza sem saudade, muitos menos arrependimento. Em pleno vôo, dançava, cantava e levantava poeira na estrada enquanto enchia seus bolsos pedras e a cabeça de sonhos que catava pelo chão.

E foi assim, com a as mãos cheias de pedras e a cabeça cheia de sonhos que o caminhão a encontrou, bem na curva, pouco antes da entrada da cidade, onde hoje esta fincada uma cruz, servindo de aviso às mocinhas com alma de borboleta. E estas, por crendice ou por teimosia, costumam depositar seus sonhos, feitos pedra, ao pé da cruz, na curva, hoje curva da borboleta.

Não sei se é verdade, mas contam que o fato aconteceu mais ou menos por essa época, no carnaval de 36.

3 comentários:

  1. Fábia, depois de tantos anos, e tantos planos, eu não sei o que pensar, nem o que dizer.

    Tá escrevendo demais.

    Teu fã.

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  2. Primaaaaaaaaa, Sirsiiiiiii eu tenho pena da tua professora de Português da Faculdade, ela era cega, ou não tinha nenhuma poética, ou era burra, ou mal amada, ou derrotista, e com toda certeza derrotada!!!

    Vc não escreve, vc faz poesia, além do mais as coisas que vc escreve são atemporais meninas, vc é anacrônica.

    Lamento informar a sua professora de Português, que até quando vc escreve amenidades, é poesia pura, pena que ela não guarde as cartas que vc fez pra mim, lembra? Foi ali que eu descobri que mais do que minha prima você era a minha alma gêmea siamesa. Feliz de mim, que sempre achei seu texto de ótima qualidade, é como vinho, quanto mais velho melhor.

    Orgulho de vc. Bjão.

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  3. É que algumas meninas não percebem que é melhor ficar no casulo por um tempo, saem por aí voando de qualquer jeito e aí... pimba! Paciência é uma virtude, dizem os sábios! Lindo texto, beijos...

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