terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Eu, a Lili e o Mário

Para onde vão os balões???

“Teu riso de vidro
desce as escadas às cambalhotas
e nem se quebra, Lili (...)”.


Passeando pelos corredores da escola onde trabalho, encontrei o meu querido Mário que há muito tempo não via. Ele fez logo questão de informar-me que Lili, minha amiguinha tão querida e tão esperta, havia perdido o primeiro dentinho e exigia que eu cumprisse a minha promessa de levá-la a um passeio assim que aquele fato ocorresse. Perguntei então se eu não poderia de levá-la ao parque naquela noite. Aceita a minha proposta, marcamos a hora do encontro.

Na hora marcada eu já estava na sala da casa do Mário, perdida entre risos e lembranças. Pouco tempo depois avistava aquela garotinha descendo as escadas com o seu sorriso de vidro agora incompleto.
-Tia, pensei que não viesse mais! Olha, guardei o dente pra te mostrar. Disse a menina enquanto me abraçava com o “abraço de quebrar as costelas”, que eu a havia ensinado. Depois, sob o olhar atento de Mário, jogamos o dente no telhado da casa e saímos.

Como prometido, levei Lili ao parque, onde ela andou em todos os brinquedos pelo menos duas vezes. Vendo a sua alegria, quiz eu que ela guardasse uma lembrança daquela noite tão feliz. Resolvi então lhe comprar um balão.
Mal amarrei o barbante em seu dedo, a cordinha arrebentou e, apesar dos meus esforços, o balão subiu. Ela, depois de sorrir de meus pulos, com um olhar triste se pôs a acompanhar todo o percurso do fujão até que este sumiu na noite escura. Ficamos a duas ali paradas, quietas, por motivos diferentes (eu estava exausta), até que ela quebrou o silêncio.

- Tia, para onde vai o balão?

Confesso que aquela pergunta me pegou desprevenida, mas respondi como aprendi:
Ele vai subindo pra bem longe, até o céu.
Ela pensou por alguns instantes...
- Tia, ele não vai assustar os passarinhos?
- Como é, não entendi?
- Os passarinhos não vão ficar assustados quando encontrarem o balão no céu?
-Acho que não, já que estão acostumados com tanta coisa no céu.
- Que tanta coisa, tia?
-Pássaro, balão, avião... E além do mais, nessa hora os pássaros já estão dormindo, Lili.
Ainda perguntei se ela não gostaria que a comprasse um outro balão, mas diante da negativa, fiquei sem saber o que fazer. Ela pegou na minha mão e seguimos taciturnas ate o carro. Ela ligou o rádio e escolheu uma música qualquer.
- Tia, e nos aviões?
-O que tem os aviões, boneca?
- As pessoas nos aviões não vão se assustar com o balão?
- Acho que nem dá tempo de ver o balão de dentro do avião, Lili.
- E se o balão ficar preso no vidro do avião, que nem essa folha, tia? Disse ela apontando para o pára brisa do meu carro, onde, de fato, havia um papel.
- É, aí fica complicado, porque não vai dá para o piloto parar o avião numa nuvem pra puxar, né?
Rimos da situação até que estacionei o carro e puxei o folheto.
-Tia, o balão sobe até em cima das nuvens?
Percebi aí o quanto a minha brilhante idéia de comprar um balão tinha sido ruim.
- Sobe Lili, por quê?
- Porque os anjos ficam nas nuvens, não é, tia?
Pensei um pouco e respondi.
- É
-Então eu vou rezar e pedir para o meu anjo da guarda dar uma olhadinha pra ver se algum outro anjo não achou o meu balão. Disse ela.
Não tive como negar que, diante dos fatos, aquilo era uma boa idéia e resolvi acrescentar:
- Explica direitinho como era o seu balão, Lili, porque os anjos devem ter muitos balões passando por lá.
Ela me olhou, fez que “sim” com a cabeça e voltou a rezar. Depois de um tempo ela disse:
- Pronto, tia, já falei com ele e expliquei bem direitinho... qualquer coisa ele deixa lá em casa mais tarde.
Dei um beijo naquela cabecinha tão pensante. Logo estava parando na frente da casa de meu amigo Mário. Lili me puxou para perto de si, me deu um beijo bem estalado e um outro abraço “de quebrar as costelas”.

- Tchau, tia, obrigada, adorei tuuudo! Vem me ver logo, tá?
- Tá, venho sim! Tchau, querida, fica com Deus!
Ela desceu e correu para os braços do pai que já a esperava na porta. Os dois ficaram acenando enquanto eu dava meia-volta no carro.

Mais ou menos uma hora depois estava chegando em casa. Desci do carro e voltei a pensar na menina e no seu balão.
-Ai, Lili, eu acho mesmo é que o seu balão fugiu porque se apaixonou pela lua. Espero que ele não tenha estourado na ponta de nenhuma estrela. Dorme bem, Lili e sonhe com os anjos e seus balões.

Lili, a menina dos meus olhos de outrora, acordou na manhã seguinte rodeada de balões de todas as cores.


“(...) E obrigado, menina,
pelos nossos encontros,
por esse carinhoda filha que eu não tive”.


Mario Quintana extraídos do livro Lili inventa o mundo

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